Prepare-se para quase nunca mais votar na sua vida, já que em todas as eleições, ou em quase todas, você terá que viajar para trabalhar em outras cidades da sua jurisdição, já que a PF sempre envia vários agentes, escrivães e delegados para essas regiões, quase sempre em duplas. Normalmente a cidade é de interior do interior, ou seja, muito pequena, principalmente se você estiver em cidades de fronteira.
Nessas cidadezinhas provavelmente você ficará colado com o promotor ou com o juiz, ou com ambos. Existem muitos crimes eleitorais e pouca fiscalização. Prefeitos e vereadores podem ser eleitos à base de compra de votos. E como a maioria da população é muito carente, e tanto faz quem vai ser ou deixar de ser o prefeito ou vereador, não ligam muito por “vender” o voto por mixaria. Quem é de interior pequeno ou já foi em eleições nessas cidadezinhas sabe bem disso.
E para quem não conhece o norte, olhe no mapa. Não há estradas para grande parte desses pequenos interiores. Por isso, para chegar até lá, existem duas possibilidades: pelo ar ou pela água. As nossas principais BRs aqui são os rios. Mas algumas cidades ficam a dias de distância pelo rio. Algumas são tão distantes que ficam a mais de 10 dias de barco de distância. Como não temos esse tempo todo para chegar e voltar dessas missões, a opção escolhida quase sempre é pelo ar.
Grande parte dessas localidades tem aeroportos. Que na verdade são pistas de pouso com um prédio que pode servir de torre de controle/local de trabalho de alguns funcionários. E algumas só tem a pista de pouso. Essas pistas existem pela necessidade de que alguns mantimentos precisam chegar rápido, ou até mesmo retirada aérea de doentes (acontece muito). E, se você tem medo de voar, definitivamente a Polícia Federal não é para você. Porque nesses casos a única forma de chegar é viajando em um avião pequeno, normalmente é um monomotor de 4 lugares mais o piloto. Pense num troço que chacoalha.
Porém, quando viajei para essa missão, fomos no helicóptero da PF. Pessoal do CAOP foi de Brasília até nossa fronteira no norte, para pegar os policiais e deixar cada um nas suas respectivas cidades de trabalho. Acho que nesse helicóptero cabiam 2 pilotos, mais 12 passageiros. Sendo que dois deles eram operadores do CAOP. Até brinquei com um deles falando: vocês treinam dia e noite, atiram até de ponta cabeça, e a missão é passar dias viajando até aqui para transportar a gente pra eleição. Deve ser chato! Ele riu e falou: “faz parte!”. Essa galera dos grupos especiais tá pronta pra quase tudo, pensei. E ainda fazem sem reclamar de nada. Tiro o chapéu.
Voltando para a missão. Entramos no helicóptero. A cidade que eu era lotado não era tão pequena, então nem a chegada nem a saída do helicóptero dá PF não foi um evento que chamou atenção. Mas ao chegar nas cidadezinhas, o aeroporto simplesmente lotava. Muita gente assistindo pouso, desembarque, decolagem. Helicóptero cinza da Polícia Federal era um evento raro.
Agora pensa você que acabou de entrar na Instituição. É você que vai ser transportado. É você que vão ver saindo daquele helicóptero todo paramentado com as letras douradas nas costas escrito “POLÍCIA FEDERAL”. Vou falar para vocês: a viagem é demorada, cansativa e quente, mas a sensação de estar ali é boa demais.
Mas, como sabemos, a vida não é feita só de alegrias. Você finalmente, após algumas horas de voo, chega no seu destino. Para terem uma ideia, a cidade para qual fomos ficava no estado vizinho, no meio da floresta. Então você e seu canga descem, atravessam a multidão que está olhando para vocês (uns admirados, outros desconfiados), veem o helicóptero partir, e vão para o hotel. E aí é quando a verdadeira aventura começa.
Nós chegamos ao hotel e nos instalamos. Felizmente tinha quarto individual. Percebemos que os celulares mal mandavam SMS e que não havia wifi. Não deu tempo de descansar muito. Tivemos que ir a uma reunião com o Juiz, promotor, e com o policial civil que era chefe de polícia/carceragem do lugar. O delegado da capital ainda não havia chegado.
Nessa reunião foi decidido como íamos agir. O que deveríamos fazer e os horários de trabalho. O juiz e o promotor foram bem solícitos e aceitaram bem as ideias que demos. Dessa vez não ficaríamos com o juiz nem promotor. Eles optaram por nos dar uma viatura para ficarmos circulando pelos colégios eleitorais. Fomos comer alguma coisa e depois descansar um pouco. À noite saímos para jantar e o chefe da polícia foi nos mostrar os colégios e um pouco da cidade. As eleições seriam no dia seguinte.
Na reunião ficou decidido também que iríamos fiscalizar principalmente crimes eleitorais, o que incluía ir a bares que estivessem para verificar se estavam descumprindo a lei seca. O objetivo não era prender, era orientar as pessoas que lá estivessem, mandar para casa e obrigar a fechar o estabelecimento. Porque se fosse prender, dependendo de como estivesse a delegacia, a equipe ia perder o dia. Quem é policial sabe que um flagrante normalmente demora horas para ser lavrado. Ainda mais em dia de eleição com a delegacia cheia.
Então, no dia da eleição, como não conhecíamos a cidade, ficamos rodando junto com o chefe da PC e mais um policial civil. Cada instituição com uma viatura. Indo de bar em bar e mandando fechar os que estava vendendo bebidas alcoólicas.
Chegamos em um bar perto de um dos colégios eleitorais. Lá tinham algumas pessoas sentadas e resolvemos fiscalizar cada uma. Perguntar se estavam bebendo, avisar que não podia beber ali, e essas coisas mais que Polícia faz. O Policial civil virou para nós e disse: “aqueles senhores ali”! Rapaz, eram dois velhinhos bem magros e pareciam meio embriagados. Pensei: que risco eles podem oferecer.
O PC mandou: - Encosta na parede e levanta a camisa! Apenas um levantou a blusa. O outro hesitou. Então o PC levou a mão à arma. E eu pensei: rapaz, esse cara está exagerando. Para que tudo isso com esse velho? E mandou levantar a camisa novamente, só que agora de forma mais firme: Levanta a blusa! O velho, que agora era suspeito, não levantava. Ficava parado nos olhando. Até que ele finalmente levantou vimos uma faca na sua cintura.
Para quem não sabe, faca mata tanto quanto arma de fogo. E para que você fique numa distância segura (para dar tempo de sacar e atirar), salvo engano, tem que estar de 7 metros ou mais afastado de quem está com a faca. Foi por isso que o PC levou a mão à arma, ele já tinha visto a faca, ele me disse depois.
O velho ficou parado nos olhando. Nós nos entreolhamos rapidamente. Fui em direção ao suspeito juntamente com o chefe da PC. Seguramos os braços e retiramos a faca da sua cintura antes que ele tivesse algum tempo de reagir. Ele não ofereceu nenhuma resistência. Perguntamos para que ele tinha aquela faca? Ele disse que um homem na idade dele precisa de proteção. Verificamos os antecedentes e não parecia ter nada. Mandamos para casa e apreendemos a faca. Continuamos nossas rondas.
Eu não tenho ideia de como o Policial Civil viu que ele estava com uma faca na cintura antes mesmo de ele levantar a camisa. Mas ainda bem que a intuição do cara estava afiada. Aprendi com isso que jamais devemos vacilar, independentemente da idade do abordado.
ps.: Esse texto ficou um pouco longo. Mas ainda tem mais história dessa eleição.
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