Depressão Policial - Até quando o departamento ficará inerte? |
(...) na madrugada do dia 14 de outubro de 2002, na Delegacia de Polícia Federal em Tabatinga/AM, por volta das 3:30 horas daquele dia, inconformado por ter sido substituído no plantão, assassinou seus dois colegas de trabalho , os Agentes de Polícia Federal AMINDO JOÃO DA SILVA e GUILHERME AUAD MOURAD, após mantê-los, juntamente com outros Servidores, em cárcere privado por aproximadamente duas horas.
Assim eu começo meu texto. A
intenção não é chocar, é chamar a atenção para o grave problema que não só a
Polícia Federal vive, mas todas as polícias brasileiras estão vivendo, o
problema da depressão dos seus membros, culminando em suicídios e mortes. Vimos
isso nessa semana que passou (03/03/2022), quando o colega Lucas Valença teve
um surto psicótico, invadiu uma casa e foi morto pelo morador. O caso ficou
famoso e saiu nos principais jornais do Brasil, pois Lucas era conhecido
nacionalmente como o “Hipster da Federal”. Mas isso é outra história.
Voltando ao caso de tabatinga. Só
estou relatando aqui porque o caso se tornou público e possível de ler, na
íntegra, no site do TRF 1: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2242682/recurso-criminal-rccr-5933-am-20023200005933-4/inteiro-teor-100751163.
A história é horrenda e
possivelmente teria sido evitada se atentassem para o comportamento do colega
que já dava indícios fortíssimos de psicose, como a história a seguir:
Há relatos de que um dia ele
chegou no flutuante de Tabatinga à uma da madrugada, onde ficava a lancha da
Polícia Federal. Botou a arma na boca do vigilante e o mandou levá-lo do outro
lado do rio em Santa Rosa no Peru. chegando lá tomou umas e, após isso, botou
três mulheres na lancha e saiu de volta para o lado brasileiro. Porém, quando
chegou no meio do rio jogou as três mulheres na água. Apesar de o vigilante ter
relatado esse fato, segundo informações, nada foi feito pelo departamento.
Além desse, caso opte por ler o
caso na íntegra, verá que muitos outros fatos ocorreram já demonstrando que o
colega estava MUITO doente.
A partir desse ponto do texto eu
copio, com algumas correções gramaticais, o que está no processo público. Não é
fácil de ler, é chocante demais, mas acho que todos deveriam saber para
escancarar a doença vivida por muitos policiais. Segue:
“O crime ocorreu quando o
denunciado se encontrava de Plantão na DPF.B/TAB/AM, juntamente com a Agente de
Polícia Federal Cláudia Nascimento.
Em virtude dos constantes
abandonos do referido plantão por parte do denunciado, o qual deixava para sua
colega APF Cláudia, toda a responsabilidade pelas tarefas da delegacia, esta
APF, por volta das 20h do dia 13/10/2002, reclamou ao Chefe da Delegacia em
exercício naquele dia, APF Manoel Ricardo Silveira Batista Neto.
Ao constatar a veracidade das
reclamações, o Chefe da Delegacia, por volta das 22:30 h., determinou a
dispensa do plantão do denunciado, convocando para substituí-lo o APF Guilherme
Auad Mourad.
Visando esconder o verdadeiro
motivo da dispensa, o denunciado retornou ao prédio da Delegacia de Polícia
para fazer constar no Livro de Ocorrência o fato de ter sido dispensado por
motivo de saúde. Essa pretensão lhe foi negada por duas vezes pela APF Cláudia,
o que fez com que o denunciado, aproveitando-se da ausência temporária desta
APF da Portaria do Plantão, falsificasse de próprio punho o registro no Livro
de Ocorrência, fazendo constar o seguinte:
Por volta das 10:30h o APF
CLÁUDIO foi substituído pelo APF GUILHERME, pois não se sentia bem, digo
22:30h. Por volta das 23:30 comecei a queimar objetos quando percebi que sacos
que recebi do APF GUILHERME NA BASE ANZOL cheiravam a DROGA;
Aconselhado pelo Chefe da Delegacia,
APF Manoel Ricardo, para que retornasse para sua casa e tentasse se acalmar, o
denunciado passou a protagonizar verdadeiro escândalo naquela Delegacia que
culminou com o duplo homicídio praticado contra seus colegas. Inicialmente, de
arma em punho, dirigiu-se ao telefone público localizado em frente à Delegacia,
demonstrando que falava com alguém.
Nesse ínterim, e desconfiado das
intenções do denunciado, o Chefe da Delegacia, APF Manoel Ricardo, acionou todo
o efetivo, para que se dirigissem até a Delegacia a fim de atuarem em qualquer
eventualidade.
Ocorre que, antes que o efetivo
chegasse à Delegacia, o denunciado dirigiu-se ao Quartel do 8º Batalhão de
Infantaria de Selva localizado naquele Município, e, novamente de arma em punho
e recusando-se a entregá-la, exigiu, perante o Corpo da Guarda daquela Unidade
Militar, que fosse chamado naquele local o APF Manoel Ricardo, no que foi
atendido.
Fazendo-se acompanhar dos APF’s
Cláudia, Stela, Leandro e Márcia, o APF Manoel Ricardo dirigiu-se ao Quartel do
8º BIS, procedendo negociações com o denunciado para deposição da arma e sua
rendição. Nessa conversa o denunciado permaneceu de arma em punho, e, em tom
ameaçador, apontava-a, ora para o APF Manoel, ora par a APF Cláudia.
Após a conversa, ficou acertado
que o denunciado deporia a arma e se renderia na Delegacia de Polícia Federal
para onde se dirigiu na motocicleta da Polícia Federal que pilotava, escoltada
por militares do Exército Brasileiro.
Não obstante todo o processo de
negociação pacífica empreendido pelos seus colegas APF’s, ao retornar à
Delegacia de Polícia Federal em Tabatinga, o denunciado, ao contrário do que
havia acertado, rendeu, inicialmente, os APF’s Manoel Ricardo e Cláudia, para,
ato contínuo, render os APF’s Guilherme, Armindo e Stela e o Agente
Administrativo Valdir, mantendo todos sob cárcere privado, momento em que
apoderou-se da pistola do APF Armindo, ao perceber que este para se defender,
tentava sacá-la.
De posse das duas pistolas
engatilhadas, passou a apontá-las aos reféns, determinando ao APF Manoel
Ricardo que se deslocasse até a residência do denunciado a fim de “apanhar
suposta substância entorpecente que ali estava guardada, uma vez que” se dizia
achar “vítima de uma suposta armação por parte de pessoas que queriam prejudicá-lo”.
Em virtude da demora do APF
Manoel Ricardo em retornar, o denunciado decidiu deslocar-se até sua residência
levando consigo, sob a mira das pistolas, as APF’s Stela e Cláudia. Nesse
momento, a APF Cláudia, não suportando a ameaça e pressão do denunciado,
desmaiou tendo a APF Stela se recusado a acompanhar o denunciado porque não
queria abandonar a colega.
Diante de tal circunstância, o
denunciado determinou que os APF’s Armindo e Guilherme o acompanhasse, no que
foi imediatamente atendido, saindo os três da Delegacia em direção ao veículo
do DPF, marca Troller, que estava estacionado em frente da mesma.
Ali chegando, o denunciado, s em
qualquer motivo justificável, passou a efetuar disparos em direção a um veículo
Gol que se encontrava estacionado ao lado do Troller e, ato contínuo, iniciou a
execução de seus colegas que haviam concordado em obedecer-lhe aos comandos.
Inicialmente, desferiu sete tiros
à queima roupa contra o Agente de Polícia Federal Armindo João da Silva. Dois
tiros foram efetuados quando a vítima estava de frente para o denunciado. Ao
virar-se procurando fugir, a vítima continuou a ser atingida, e mesmo caída ao
chão, o denunciado ainda lhe desferiu cinco tiros, vindo a falecer.
Nesse instante, o APF Guilherme
Auad Mourad, que o havia substituído no plantão, visando desvencilhar-se da
ação assassina do denunciado, tentou inutilmente fugir, escondendo-se em baixo
de uma S10 que estava estacionada ao lado do Troller. O denunciado, então, de
forma covarde, vendo que a vítima ali se encontrava, agora, já ferida e sem
qualquer chance de defesa, abaixou-se, e friamente disparou vários tiros a
queima roupa contra seu colega, assassinando-o instantaneamente.
Tendo consumado os assassinatos,
o denunciado evadiu-se do local na motocicleta do DPF em direção à Colômbia, e
no meio do caminho efetuou ainda mais um disparo num posto de gasolina.
Quando chegou na fronteira do
Brasil com a Colômbia, o denunciado foi detido por Policiais Colombianos e
Policiais Militares Brasileiros.”
E essa foi a madrugada de terror,
do dia 14 de outubro de 2002, que ocorreu em Tabatinga no Amazonas.
Abaixo segue o depoimento ipsis
litteris, que ele fez após ser capturado e levado à delegacia da PF. Não
tenho ideia de como deve ter sido difícil os demais colegas ouvirem tamanha
loucura da boca de alguém que matou dois APFs.
“QUE em JANEIRO do ano em curso
descobriu que era portador de HPV; QUE foi liberado para fazer tratamento no
RIO DE JANEIRO, onde passou cerca de 01 (um) mês; QUE nesse período foi operado
de fimose, sendo que julga ter sido vítima de um erro médico que o incapacitou
parcialmente para exercício de atividade sexual; QUE nunca fez tratamento
psiquiátrico; QUE em TABATINGA/AM o AUTUADO estava tomando um remédio para os
nervos chamado PASSIFLORIN; QUE desde que fez a operação antes mencionada
acredita que está passando por sérios problemas metais; QUE acredita que está
sendo perseguido, porém não deseja declinar os motivos desta perseguição; QUE
nunca passou por uma situação parecida com a que ocorreu na madrugada de hoje
(14/10/2002), porém algumas semanas atrás efetuou um disparo em via pública
para se proteger de um ataque de cachorro, e por isso se encontra respondendo
um PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR; QUE procurou um médico local para falar
de seus supostos PROBLEMA MENTAIS e o mesmo receitou PARCIFLORIN e uma conduta
ambulatorial que não foi seguida pelo AUTUADO; QUE o AUTUADO na data de ontem
(13/10/2002), foi dispensado de seu PLANTÃO NA DELEGACIA, por volta de
22h30min, sendo substituído pelo APF GUILHERME em cumprimento a determinação do
CHEFE DA DELEGACIA; QUE meia hora depois retornou a DELEGACIA para informar
sobre uma suposta substância entorpecente que havia lhe sido dada pelo APF
GUILHERME como se fosse sílica gel; QUE foi o próprio AUTUADO que pediu de
GUILHERME a sílica gel para combater a umidade que havia em sua CASA; QUE o
AUTUADO acredita que estava sendo perseguido por pessoas que queriam a sua
morte; QUE o AUTUADO tentou se refugiar em um QUARTEL DO EXÉRCITO logo após ter
retornado novamente a DELEGACIA e discutido com o APF GUILHERME, haja vista que
o mesmo queria que o AUTUADO fosse para CASA; QUE no QUARTEL DO EXÉRCITO
atendeu solicitação do APF RICARDO para retornar a DELEGACIA; QUE ao retornar a
DELEGACIA efetivamente rendeu com sua PISTOLA ENGATILHADA O APF RICARDO e a APF
CLÁUDIA; QUE posteriormente rendeu todos os outros que estavam nesta DELEGACIA;
QUE se apossou da ARMA DO APF ARMINDO, uma PISTOLA calibre 9MM, com capacidade
de 08 (oito) tiros; QUE o AUTUADO comprou e portava uma PISTOLA TAURUS 9 mm, nº
TMH 07493 que ainda estava em nome do APF OSVALDO FAUSTINO BOTELHO; QUE não
havia passado a ARMA para o seu nome posto só podia fazê-lo após o ESTÁGIO
PROBATÓRIO de 03 (três) anos; QUE sua PISTOLA possui capacidade para 17
(dezessete) tiros; QUE após ter rendido todos nesta DELEGACIA O AUTUADO
determinou que o APF RICARDO fosse buscar em sua residência o restante da
suposta DROGA, que teria recebido como se fosse sílica gel do APF GUILHERME;
QUE o AUTUADO não tinha nada contra o APF GUILHERME e nem contra o APF Armindo;
QUE como o APF RICARDO estava demorando para retornar o AUTUADO decidiu ir
atrás do mesmo, sendo que decidiu levar consigo as APF´S STELA e CLÁUDIA; QUE
como a APF CLÁUDIA desmaiou na saída da DELEGACIA e a APF STELA se recusou a
ir, dizendo que queria ficar com sua AMIGA, os APF’S ARMINDO e GUILHERME se
ofereceram para ir no lugar de suas COLEGAS; QUE o AUTUADO pretendia entregar
as ARMAS que estava portando tão logo visse o APF RICARDO com o restante do
MATERIAL que pediu para pegar em sua residência; QUE ao sair na DELEGACIA com
os APF´S ARMINDO e GUILHERME, para apanhar o veículo TROLLER (viatura ostensiva
do DPF), o AUTUADO ouviu 02 (dois) tiros e pensou que estava sendo atacado; QUE
ato continuo efetuou vários disparos em um veículo GOL que estava ao lado do
TROLLER, e passou a atirar no APF ARMINDO; QUE procedeu tais disparos de forma
“instintiva”, QUE o AUTUADO como e quando deu os tiros no APF GUILHERME, não
sabendo explicar, portanto, como o citado POLICIAL veio a MORRER; QUE após ter
efetuado os disparos antes mencionados o AUTUADO pegou a MOTO que estava em
frente a DELEGACIA e fugiu em direção ao CONSULADO BRASILEIRO em LETÍCIA na
COLÔMBIA; QUE esperava obter asilo e proteção no citado CONSULADO’, porém foi
abordado na FRONTEIRA pela POLÍCIA NACIONAL DA COLÔMBIA e POLICIAIS MILITARES
BRASILEIRO; QUE após ter sido desarmado foi entregue ao APF RICARDO; QUE teve
sua integridade física e mental pelos POLICIAIS que efetuaram sua PRISÃO; QUE
não queria matar os APF’S ARMINDO e GUILHERME e encontrava-se arrependido do
que fez; QUE apenas queria voltar para o RIO DE JANEIRO ou APOSENTADO por
INVALIDEZ (MENTAL) ou em TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO; QUE os U$ 1.962,0 (mil
novecentos e sessenta e dois dólares) encontrados em sua residência quando os
POLICIAIS foram pegar seus pertences foram adquiridos na CASA DE CÂMBIO local
CMM, e são fruto de seu salário ao longo do tempo que está em TABATINGA/AM; QUE
acompanhou espontaneamente na data de hoje (14/10/2002) a reconstituição do
CRIME onde foram ASSASSINADOS o APF ARMINDO e o APF GUILHERME; QUE novamente
ratifica que se encontra arrependido; QUE não toma remédio controlado para
PROBLEMAS MENTAIS; QUE não é usuário e nem dependente de substância
ENTORPECENTE; QUE na data de hoje efetivamente se negou a fornecer URINA e
SANGUE para EXAME TOXICOLÓGICO de dependência química.”
No dia seguinte ao homicídio,
conversando informalmente com o delegado Sérgio percebe-se a nítida perturbação
do acusado. Novamente colo aqui como escrito no processo, sem mudar
absolutamente nenhuma vírgula:
“DPF Sérgio – Você não é obrigado a falar se não quiser. Se você
quiser permanecer em silêncio, você pode. Agora, o mínimo que você pode fazer
pelos colegas que você assassinou é prestar as informações que a gente está lhe
perguntando. Lembre-se que um dia você foi Policial Federal, coisa que não vai
acontecer mais. Nunca mais você vai ser um Policial Federal. Agora você vai
responder por um crime que você cometeu. Você tirou a vida de um pai de família
e de um jovem que ainda tinha uma vida inteira pela frente. Eu vou fazer
algumas perguntas. Se você quiser responder você responde. Se você não quiser
responder não é obrigado a responder. Você entendeu? Entendeu? Pode falar?
CLÁUDIO – Eu não tenho nada para falar.
DPF Sérgio – Mas de qualquer forma eu vou consignar as perguntas.
Você sebe como funciona isso. Apesar de ser uma gente novinho, você já deve ter
visto algum flagrante. Mesmo assim, vou consignar as perguntas. O que levou
você ontem a agir do jeito que agiu? Não pretende responder?
CLÁUDIO – Se você me deixar... Eu não respondo não!
DPF Sérgio – Certo. Você atirou no APF Armindo e no APF Guilherme
na madrugada de hoje, causando a morte de ambos?
CLÁUDIO – Atirei.
DPF Sérgio – Certo. Qual foi o motivo de você ter atirado nesse
dois policiais?
CLÁUDIO – Tive. De ter tido um tiro. Desse tiro me causou um
pânico. Então eu atirei no carro da polícia e no momento vi o Guilherme. Eu
tava descontrolado. Eu vi o Guilherme pular no chão e eu tive que puxar a arma.
Aí eu atirei nele. E minha mão foi bem dizer automática. Entendeu? Com Armindo.
Foi um negócio assim automático porque o Armindo pulou no chão. E aí, eu falei,
tá acontecendo alguma coisa. Eu escutei um tiro e foi aquele horror, rololó
todo. Eu atirei, infelizmente.
DPF Sérgio – Você deu sete tiros no APF Armindo. Alguns pela frente
e outros pelas costas. Você tem ciência disso? Que você deu tiros no APF
Armindo pelas costas?
CLÁUDIO – Eu não tenho ciência porque não me lembro.
DPF Sérgio – Certo. Você se recorda....
CLÁUDIO – Eu não tenho ciência, mas eu lembro de ter dado pelo
menos cinco. Sete não! Pelo menos cinco.
DPF Sérgio – Certo. Você se recorda...
CLÁUDIO – Porque a pistola ainda tinha duas munições.
DPF Sérgio – Você se recorda de ter atirado no APF Guilherme quando
o mesmo se encontrava em baixo da viatura?
CLÁUDIO – Embaixo da viatura não. Eu lembro assim que ele tava
tentando ir para viatura, aí eu atirei. Eu lembro que a bala pegou na viatura.
DPF Sérgio – Mas se arrastando no chão? Ele estava no chão quando
você atirou nele?
CLÁUDIO – Ele... Ele tinha deitado no chão. Mas...
DPF Sérgio – Certo, você viu alguma arma com o APF Guilherme ou APF
Armindo? Viu?
CLÁUDIO – Sinceramente, com o APF Guilherme eu pensei de estar
vendo essa arma. Entendeu? Não sei se eu vi ou se eu não vi com o APF
Guilherme. Com o APF Armindo eu não vi arma nenhuma.
DPF Sérgio – De onde partiu esse tiro que você alega que foi
disparado e te assustou?
CLÁUDIO – Para mim, partiu de dentro do carro.
DPF Sérgio – O tiro partiu de dentro do carro?
CLÁDIO – Ou de fora, eu não sei.
Alguma coisa. Teve um tiro.
DPF Sérgio – Mas de alguém próximo do local onde aconteceu?
CLÁUDIO – Não.
DPF Sérgio – Onde foi que aconteceu isso?
CLÁUDIO – Em frente à delegacia.
DPF Sérgio – Em frente à delegacia? Você estava levando o APF
Armindo e o APF Guilherme pra onde?
CLÁUDIO – Levando eles pra minha casa pegar, para buscar...
DPF Sérgio – Pra buscar o que? Pra buscar o que , CLÁUDIO? As armas
que você usou foram de quem? Suas?
CLÁUDIO – Uma é minha.
DPF Sérgio – E a outra?
CLÁUDIO – Era do Armindo.
DPF Sérgio – Eles tentaram, que dizer, então eles não reagiram?
Você que pensou que eles tivessem reagido.
CLÁUDIO – Eu não sei, Doutor Sérgio. Sei que escutei um tiro.
DPF Sérgio – Você pretendia atirar neles quando saíam?
CLÁUDIO – Claro que não, pelo amor de Deus! Acredita em mim!
DPF Sérgio – Mas você estava com as armas engatilhadas, não estava?
CLÁUDIO – Estava pra minha segurança.
DPF Sérgio – Você não apontou essas armas para várias pessoas aqui
na delegacia? Engatilhada?
CLÁUDIO – Apontei.
DPF Sérgio – O que você pretendia, CLÁUDIO?
CLÁUDIO – Eu queria me defender, doutor.
DPF Sérgio – Defender de quem? Quem lhe agrediu?
CLÁUDIO – O senhor quer que eu responda, o senhor quer que eu
fique...
DPF Sérgio – Não, eu quero que você responda. Meu amigo, que coisa
abominável você fez! O que você fez é abominável. Eu lido com bandidos há sete
anos e nunca vi uma coisa tão abominável como essa de bandidos. Ainda mais de
um colega.
CLÁUDIO – Meu estado mental...
DPF Sérgio – Mas o estado mental... Você chegou a procurar algum
auxílio psicológico? Você foi a algum médico? Tem alguém que possa atestar pelo
seu estado psicológico?
CLÁUDIO – Fui.
DPF Sérgio – Quem?
CLÁUDIO – O próprio médico que fez a minha operação.
DPF Sérgio – Mas ele era psicólogo?
CLÁUDIO – Não. Ele era urologista.
DPF Sérgio – Psiquiatra você nunca foi a nenhum? Algum médico de
cabeça? Você chegou a se consultar pra dizer que estava com problemas mentais?
Que problema é esse que...?
CLÁUDIO – Consegui.
DPF Sérgio – Ouviu? Quem era o médico?
CLÁUDIO – Ah, Foi no doutor Ernesto, na doutora Vanda.
DPF Sérgio – É verdade que você tenha dito às pessoas, quando as
seqüestrou aqui, aos policiais, que pretendia se aposentar porque estava com
problema mental?
CLÁUDIO – É verdade.
DPF Sérgio – E se você fosse somente removido, também servia pra
você tratar o seu problema mental? Você disse isso?
CLÁUDIO – Serviria. Não, pra tratar o meu problema mental?
DPF Sérgio – Você disse isso?
CLÁUDIO – Não sei. Pelo menos eu melhoraria no Rio de Janeiro.
DPF Sérgio – No Rio de Janeiro. Quem efetivamente o estava
ameaçando? Na sua cabeça, quem estava ameaçando você? Quais são os nomes dessas
pessoas?
CLÁUDIO – Eu queria ficar vivo.
DPF Sérgio – Cláudio, você não pensou nisso quando tirou a vida dos
dois colegas.
CLÁUDIO – Tá, eu quero responder isso na Justiça.
DPF Sérgio – Tudo bem. É direito seu, é direito seu. Ninguém vai
obrigar você a falar o que você não quer falar.
CLÁUDIO – Me diga uma coisa: se eu falar só o essencial pra me condenar.
Só isso que eu quero.
DPF Sérgio – Certo. Desde quando você acha que está tendo problemas
mentais?
CLÁUDIO – Desde quando foi realizada uma operação em mim.
DPF Sérgio – Que tipo de operação?
CLÁUDIO – Uma circuncisão.
DPF Sérgio – Em que mês foi isso?
CLÁUDIO – Mês de janeiro.
DPF Sérgio – Janeiro desse ano? Você já era policial quando
aconteceu isso?
CLÁUDIO – Era.
DPF Sérgio – Você foi dispensado para fazer essa... para ir ao Rio
de Janeiro. Você fez no Rio de Janeiro essa operação? Foi?
CLÁUDIO – Foi.
DPF Sérgio – Foi, não é? Você foi dispensado. Quanto tempo você
passou dispensado para tratar disso aí?
CLÁUDIO – Bem dizer um mês.
DPF Sérgio – Um mês? E depois você retornou?
CLÁUDIO – Foi.
DPF Sérgio – E quantos meses de Polícia você tem?
CLÁUDIO – Dez meses.
DPF Sérgio – Dez meses? Sendo que um você passou afastado. Você tem
nove meses de Polícia. Alguma vez você sentiu essa vontade de sacar sua arma,
atirar nos outros, se sentiu perseguido, sentiu a necessidade de se defender
como ontem? Antes de ontem, você sentiu alguma necessidade igual a essa que
sentiu ontem?
CLÁUDIO – Sim.
DPF Sérgio – Quando? Não se recorda? Não se recorda? Você tinha
alguma coisa pessoal contra o Armindo ou contra o Guilherme?
CLÁUDIO – Não.
DPF Sérgio – Não tinha nada pessoal contra eles. Onde é que você
pretendia chegar quando você fugiu pra Colômbia? Você queria ir pra onde?
CLÁUDIO – Consulado brasileiro.
DPF Sérgio – Você queria ir pro Consulado brasileiro? Porque que
não foi? Foi abordado antes, não é? Mas no Consulado brasileiro você esperava o
que de lá?
CLÁUDIO – Esperava ir pro Rio de Janeiro. Ser... extraditado pro
Rio de Janeiro.
DPF Sérgio – Você tinha consciência que tinha atirado em dois
colegas? Você tinha consciência que tinha matado os colegas ou que só tinha
atirado?
CLÁUDIO – Não sei. Eu pensei... Eu pensava em várias coisas, Doutor
Sérgio. Eu estava pensando lá na cadeia. Entendeu? Eu tava pensando em várias
coisas. Eu pensei até... eu cheguei a pensar até em... não sei. As coisas que
aconteceram foram fazendo eu pirar, pirar. Fui delirando, delirando. Não sei.
DPF Sérgio – você avisou pra alguém que ia pirar? Que ia perder o
controle?
CLÁUDIO – Avisei.
DPF Sérgio – Quem?
CLÁUDIO – A várias pessoas no Rio de Janeiro. Várias pessoas.
DPF Sérgio – Mas aqui você avisou pro seu Chefe que ia perder o
controle?
CLÁUDIO – O meu Chefe, ele...
DPF Sérgio – Não. Eu estou perguntando se você avisou a ele: “Olha,
eu vou perder o controle se eu ficar aqui.”. Vou pirar. Você avisou a ele? Já
que você sentia que...
CLÁUDIO – Eu tentei. Entendeu? Eu tentei justamente fazer isso.
Entendeu? Eu tentei justamente fazer isso, fazer com que eu fosse embora pro
Rio de Janeiro removido ou pegasse meu atestado psiquiátrico e fosse embora. Eu
queria sair da Polícia, entendeu? Eu vou pagar, meu irmão! Eu perdi, eu perdi
pra tu nessa história toda. Entendeu? Eu perdi. Tem gente aí por cima fazendo
coisas, entendeu? Eu perdi.
DPF Sérgio – Perdeu o quê?
CLÁUDIO – Perdi. Não tem... o que eu queria na minha vida era
processar, no caso, o médico. Entendeu? Eu vi que não dava. Que aconteceram
coisas.
DPF Sérgio – Mas então me explica uma coisa, Agente Cláudio. Olha
pra mim, Agente Cláudio! Você ainda é um Agente de Polícia Federa. Então, pelo
menos, assuma sua responsabilidade como Agente de Polícia Federal enquanto você
ainda é – espero que por muito pouco tempo. Você tem consciência que você é um
Policial Federal? Que você matou outros policiais federais sem motivo nenhum?
Está ciente disso?
CLÁUDIO – Sem motivo...
DPF Sérgio – Sem motivo nenhum. Teve algum motivo? A não ser você
achar que houve, haveria uma reação?
CLÁUDIO – Sim. Eu...
DPF Sérgio – Em algum momento você pensou... Sim o quê?
CLÁUDIO – Não teve motivo nenhum.
DPF Sérgio – Em algum momento você pensou que poderia escapar
depois de ter assassinado os colegas?
CLÁUDIO – Não, não pensei que poderia escapar.
CLÁUDIO – Você iria fazer o que na Colômbia? Se entregar?
CLÁUDIO – Ia me entregar ao Consulado.
DPF Sérgio – Mas você ainda estava com as duas armas quando foi
interceptado. Não estava?
CLÁUDIO – Estava. Estava com as armas totalmente desmuniciadas.
DPF Sérgio – Certo. Você é da mesma turma do Guilherme, não é? Da
Academia?
CLÁUDIO – Sou. Eu fiz uma merda desgraçada. Se vocês quiserem me
matar vocês me matem, pelo amor de Deus!
DPF Sérgio – Cláudio, merda a gente faz quando a gente briga no
bar, merda a gente faz quando não faz os procedimentos direito, o que você fez
foi abominável e eu espero que você responda por isso. Pelo menos é o que nós
vamos nos empenhar aqui e fazer é reunir o máximo de provas para que a Justiça
possa julgar o seu caso com justiça. Mas eu vou logo te dizer: o mínimo que
você pode fazer pelos colegas que você matou é abrir o jogo e assumir suas
responsabilidades. Não faltou aviso pra você, pra ficar tranqüilo, nada... Todo
mundo tentou te ajudar, tentou fazer você se acalmar. Na verdade esse seu
desejo de...
CLÁUDIO – Não foi isso, Doutor Sérgio. Eu tentei com isso.
Aconteceu aquilo lá por causa desse disparo, por causa de alguma coisa. Eu não
sei. Não sei se tinha alguém dentro do carro. Como eu disparei sem querer.
Houve o disparo, desse disparo eu perdi o controle. Na verdade eu não queria. O
que eu queria, o que eu queria...
DPF Sérgio – Você atirou primeiro no Guilherme e depois no Armindo
ou primeiro no Armindo e depois no Guilherme?
CLÁUDIO – Nem sei. Bem dizer. Eu atirei nos dois. Porque eu estava
com uma arma em cada mão. Então eu vi o Guilherme puxar... sei lá fazer um
movimento, aí eu atirei. Aí eu vi...
DPF Sérgio – Mas para atirar no Guilherme você tinha que... ser
abaixado. Você abaixou ou não?
CLÁUDIO – Não sei. Foi atirando, tentando correr. Uma coisa
assim... Eu não sei.
DPF Sérgio – Por que você não entregou logo a arma para o Chefe da
Delegacia? Você achava que ele ia fazer alguma coisa contra você? Por que você
não entregou a arma para os Militares do Exército? Hein, Cláudio?
CLÁUDIO – Eu vou falar sério o que aconteceu. Eu estava me sentindo
ameaçado.
DPF Sérgio – Por quem? Mas em momento algum você pensou em se
matar. Não é Cláudio?
CLÁUDIO – Não, eu não pensei em me matar.”
Eu quis falar sobre esse caso
porque foi um fato importante que aconteceu. Vejam que essa doença policial não
é de agora, já que esse ocorrido foi em 2002, ou seja, 20 anos atrás. E, como
falei acima, semana passada veio a tona mais um caso de depressão e paranoia
que culminou na morte de mais um colega. Até quando será assim? Quantos
precisam morrer para que a polícia tome uma atitude?
Lembrando novamente que só estou
escrevendo este caso aqui porque foi tornado público, podendo ser lido
integralmente no site do TRF 1, conforme coloquei também acima no texto.
Para concluir, o ex-colega
Cláudio foi absolvido das acusações por ser considerado inimputável no momento
da ação. Não sou eu que estou dizendo. Na íntegra do processo é possível ler os
laudos psiquiátricos e tudo que comprova o fato da inimputabilidade. Segue
abaixo a sentença:
PENAL. PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA. RÉU INIMPUTÁVEL. EXAME MÉDICO LEGAL. ISENÇÃO DE PENA. CPP, ART. 411.
CP, ART. 26. 1. Comprovado, mediante exame médico-legal, que o agente era, ao
tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento, é de, sumariamente, ser
absolvido, nos termos do art. 411 do Código de Processo Penal. 2. O paranóico
sofre de uma confiança exagerada e tem medo, constante, de ser agredido, teme ser
humilhado, é um indivíduo incapacitado de conviver em sociedade, vive sempre em
estado de desconfiança, em estado de alerta imaginando que a qualquer momento
vai ser atacado. 3. Declarada a inimputabilidade, o agente não é condenado, é
absolvido, ficando, no entanto, sujeito a medida de segurança (CP, arts. 96 e
97). 4. Recursos e remessa oficial não providos.
(TRF-1 - RCCR: 5933 AM
2002.32.00.005933-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de
Julgamento: 24/05/2005, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 15/07/2005 DJ p.18).
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favor, comentem. Podem perguntar o que quiserem.
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