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domingo, 6 de março de 2022

Uma depressão com um surto psicótico e dois Policiais Federais mortos em uma madrugada de terror em Tabatinga/AM

Depressão Policial - Até quando o departamento ficará inerte?

(...) na madrugada do dia 14 de outubro de 2002, na Delegacia de Polícia Federal em Tabatinga/AM, por volta das 3:30 horas daquele dia, inconformado por ter sido substituído no plantão, assassinou seus dois colegas de trabalho , os Agentes de Polícia Federal AMINDO JOÃO DA SILVA e GUILHERME AUAD MOURAD, após mantê-los, juntamente com outros Servidores, em cárcere privado por aproximadamente duas horas.

Assim eu começo meu texto. A intenção não é chocar, é chamar a atenção para o grave problema que não só a Polícia Federal vive, mas todas as polícias brasileiras estão vivendo, o problema da depressão dos seus membros, culminando em suicídios e mortes. Vimos isso nessa semana que passou (03/03/2022), quando o colega Lucas Valença teve um surto psicótico, invadiu uma casa e foi morto pelo morador. O caso ficou famoso e saiu nos principais jornais do Brasil, pois Lucas era conhecido nacionalmente como o “Hipster da Federal”. Mas isso é outra história.

Voltando ao caso de tabatinga. Só estou relatando aqui porque o caso se tornou público e possível de ler, na íntegra, no site do TRF 1: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2242682/recurso-criminal-rccr-5933-am-20023200005933-4/inteiro-teor-100751163.

A história é horrenda e possivelmente teria sido evitada se atentassem para o comportamento do colega que já dava indícios fortíssimos de psicose, como a história a seguir:

Há relatos de que um dia ele chegou no flutuante de Tabatinga à uma da madrugada, onde ficava a lancha da Polícia Federal. Botou a arma na boca do vigilante e o mandou levá-lo do outro lado do rio em Santa Rosa no Peru. chegando lá tomou umas e, após isso, botou três mulheres na lancha e saiu de volta para o lado brasileiro. Porém, quando chegou no meio do rio jogou as três mulheres na água. Apesar de o vigilante ter relatado esse fato, segundo informações, nada foi feito pelo departamento.

Além desse, caso opte por ler o caso na íntegra, verá que muitos outros fatos ocorreram já demonstrando que o colega estava MUITO doente.

A partir desse ponto do texto eu copio, com algumas correções gramaticais, o que está no processo público. Não é fácil de ler, é chocante demais, mas acho que todos deveriam saber para escancarar a doença vivida por muitos policiais. Segue:

“O crime ocorreu quando o denunciado se encontrava de Plantão na DPF.B/TAB/AM, juntamente com a Agente de Polícia Federal Cláudia Nascimento.

Em virtude dos constantes abandonos do referido plantão por parte do denunciado, o qual deixava para sua colega APF Cláudia, toda a responsabilidade pelas tarefas da delegacia, esta APF, por volta das 20h do dia 13/10/2002, reclamou ao Chefe da Delegacia em exercício naquele dia, APF Manoel Ricardo Silveira Batista Neto.

Ao constatar a veracidade das reclamações, o Chefe da Delegacia, por volta das 22:30 h., determinou a dispensa do plantão do denunciado, convocando para substituí-lo o APF Guilherme Auad Mourad.

Visando esconder o verdadeiro motivo da dispensa, o denunciado retornou ao prédio da Delegacia de Polícia para fazer constar no Livro de Ocorrência o fato de ter sido dispensado por motivo de saúde. Essa pretensão lhe foi negada por duas vezes pela APF Cláudia, o que fez com que o denunciado, aproveitando-se da ausência temporária desta APF da Portaria do Plantão, falsificasse de próprio punho o registro no Livro de Ocorrência, fazendo constar o seguinte:

Por volta das 10:30h o APF CLÁUDIO foi substituído pelo APF GUILHERME, pois não se sentia bem, digo 22:30h. Por volta das 23:30 comecei a queimar objetos quando percebi que sacos que recebi do APF GUILHERME NA BASE ANZOL cheiravam a DROGA;

Aconselhado pelo Chefe da Delegacia, APF Manoel Ricardo, para que retornasse para sua casa e tentasse se acalmar, o denunciado passou a protagonizar verdadeiro escândalo naquela Delegacia que culminou com o duplo homicídio praticado contra seus colegas. Inicialmente, de arma em punho, dirigiu-se ao telefone público localizado em frente à Delegacia, demonstrando que falava com alguém.

Nesse ínterim, e desconfiado das intenções do denunciado, o Chefe da Delegacia, APF Manoel Ricardo, acionou todo o efetivo, para que se dirigissem até a Delegacia a fim de atuarem em qualquer eventualidade.

Ocorre que, antes que o efetivo chegasse à Delegacia, o denunciado dirigiu-se ao Quartel do 8º Batalhão de Infantaria de Selva localizado naquele Município, e, novamente de arma em punho e recusando-se a entregá-la, exigiu, perante o Corpo da Guarda daquela Unidade Militar, que fosse chamado naquele local o APF Manoel Ricardo, no que foi atendido.

Fazendo-se acompanhar dos APF’s Cláudia, Stela, Leandro e Márcia, o APF Manoel Ricardo dirigiu-se ao Quartel do 8º BIS, procedendo negociações com o denunciado para deposição da arma e sua rendição. Nessa conversa o denunciado permaneceu de arma em punho, e, em tom ameaçador, apontava-a, ora para o APF Manoel, ora par a APF Cláudia.

Após a conversa, ficou acertado que o denunciado deporia a arma e se renderia na Delegacia de Polícia Federal para onde se dirigiu na motocicleta da Polícia Federal que pilotava, escoltada por militares do Exército Brasileiro.

Não obstante todo o processo de negociação pacífica empreendido pelos seus colegas APF’s, ao retornar à Delegacia de Polícia Federal em Tabatinga, o denunciado, ao contrário do que havia acertado, rendeu, inicialmente, os APF’s Manoel Ricardo e Cláudia, para, ato contínuo, render os APF’s Guilherme, Armindo e Stela e o Agente Administrativo Valdir, mantendo todos sob cárcere privado, momento em que apoderou-se da pistola do APF Armindo, ao perceber que este para se defender, tentava sacá-la.

De posse das duas pistolas engatilhadas, passou a apontá-las aos reféns, determinando ao APF Manoel Ricardo que se deslocasse até a residência do denunciado a fim de “apanhar suposta substância entorpecente que ali estava guardada, uma vez que” se dizia achar “vítima de uma suposta armação por parte de pessoas que queriam prejudicá-lo”.

Em virtude da demora do APF Manoel Ricardo em retornar, o denunciado decidiu deslocar-se até sua residência levando consigo, sob a mira das pistolas, as APF’s Stela e Cláudia. Nesse momento, a APF Cláudia, não suportando a ameaça e pressão do denunciado, desmaiou tendo a APF Stela se recusado a acompanhar o denunciado porque não queria abandonar a colega.

Diante de tal circunstância, o denunciado determinou que os APF’s Armindo e Guilherme o acompanhasse, no que foi imediatamente atendido, saindo os três da Delegacia em direção ao veículo do DPF, marca Troller, que estava estacionado em frente da mesma.

Ali chegando, o denunciado, s em qualquer motivo justificável, passou a efetuar disparos em direção a um veículo Gol que se encontrava estacionado ao lado do Troller e, ato contínuo, iniciou a execução de seus colegas que haviam concordado em obedecer-lhe aos comandos.

Inicialmente, desferiu sete tiros à queima roupa contra o Agente de Polícia Federal Armindo João da Silva. Dois tiros foram efetuados quando a vítima estava de frente para o denunciado. Ao virar-se procurando fugir, a vítima continuou a ser atingida, e mesmo caída ao chão, o denunciado ainda lhe desferiu cinco tiros, vindo a falecer.

Nesse instante, o APF Guilherme Auad Mourad, que o havia substituído no plantão, visando desvencilhar-se da ação assassina do denunciado, tentou inutilmente fugir, escondendo-se em baixo de uma S10 que estava estacionada ao lado do Troller. O denunciado, então, de forma covarde, vendo que a vítima ali se encontrava, agora, já ferida e sem qualquer chance de defesa, abaixou-se, e friamente disparou vários tiros a queima roupa contra seu colega, assassinando-o instantaneamente.

Tendo consumado os assassinatos, o denunciado evadiu-se do local na motocicleta do DPF em direção à Colômbia, e no meio do caminho efetuou ainda mais um disparo num posto de gasolina.

Quando chegou na fronteira do Brasil com a Colômbia, o denunciado foi detido por Policiais Colombianos e Policiais Militares Brasileiros.”

E essa foi a madrugada de terror, do dia 14 de outubro de 2002, que ocorreu em Tabatinga no Amazonas.

Abaixo segue o depoimento ipsis litteris, que ele fez após ser capturado e levado à delegacia da PF. Não tenho ideia de como deve ter sido difícil os demais colegas ouvirem tamanha loucura da boca de alguém que matou dois APFs.

“QUE em JANEIRO do ano em curso descobriu que era portador de HPV; QUE foi liberado para fazer tratamento no RIO DE JANEIRO, onde passou cerca de 01 (um) mês; QUE nesse período foi operado de fimose, sendo que julga ter sido vítima de um erro médico que o incapacitou parcialmente para exercício de atividade sexual; QUE nunca fez tratamento psiquiátrico; QUE em TABATINGA/AM o AUTUADO estava tomando um remédio para os nervos chamado PASSIFLORIN; QUE desde que fez a operação antes mencionada acredita que está passando por sérios problemas metais; QUE acredita que está sendo perseguido, porém não deseja declinar os motivos desta perseguição; QUE nunca passou por uma situação parecida com a que ocorreu na madrugada de hoje (14/10/2002), porém algumas semanas atrás efetuou um disparo em via pública para se proteger de um ataque de cachorro, e por isso se encontra respondendo um PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR; QUE procurou um médico local para falar de seus supostos PROBLEMA MENTAIS e o mesmo receitou PARCIFLORIN e uma conduta ambulatorial que não foi seguida pelo AUTUADO; QUE o AUTUADO na data de ontem (13/10/2002), foi dispensado de seu PLANTÃO NA DELEGACIA, por volta de 22h30min, sendo substituído pelo APF GUILHERME em cumprimento a determinação do CHEFE DA DELEGACIA; QUE meia hora depois retornou a DELEGACIA para informar sobre uma suposta substância entorpecente que havia lhe sido dada pelo APF GUILHERME como se fosse sílica gel; QUE foi o próprio AUTUADO que pediu de GUILHERME a sílica gel para combater a umidade que havia em sua CASA; QUE o AUTUADO acredita que estava sendo perseguido por pessoas que queriam a sua morte; QUE o AUTUADO tentou se refugiar em um QUARTEL DO EXÉRCITO logo após ter retornado novamente a DELEGACIA e discutido com o APF GUILHERME, haja vista que o mesmo queria que o AUTUADO fosse para CASA; QUE no QUARTEL DO EXÉRCITO atendeu solicitação do APF RICARDO para retornar a DELEGACIA; QUE ao retornar a DELEGACIA efetivamente rendeu com sua PISTOLA ENGATILHADA O APF RICARDO e a APF CLÁUDIA; QUE posteriormente rendeu todos os outros que estavam nesta DELEGACIA; QUE se apossou da ARMA DO APF ARMINDO, uma PISTOLA calibre 9MM, com capacidade de 08 (oito) tiros; QUE o AUTUADO comprou e portava uma PISTOLA TAURUS 9 mm, nº TMH 07493 que ainda estava em nome do APF OSVALDO FAUSTINO BOTELHO; QUE não havia passado a ARMA para o seu nome posto só podia fazê-lo após o ESTÁGIO PROBATÓRIO de 03 (três) anos; QUE sua PISTOLA possui capacidade para 17 (dezessete) tiros; QUE após ter rendido todos nesta DELEGACIA O AUTUADO determinou que o APF RICARDO fosse buscar em sua residência o restante da suposta DROGA, que teria recebido como se fosse sílica gel do APF GUILHERME; QUE o AUTUADO não tinha nada contra o APF GUILHERME e nem contra o APF Armindo; QUE como o APF RICARDO estava demorando para retornar o AUTUADO decidiu ir atrás do mesmo, sendo que decidiu levar consigo as APF´S STELA e CLÁUDIA; QUE como a APF CLÁUDIA desmaiou na saída da DELEGACIA e a APF STELA se recusou a ir, dizendo que queria ficar com sua AMIGA, os APF’S ARMINDO e GUILHERME se ofereceram para ir no lugar de suas COLEGAS; QUE o AUTUADO pretendia entregar as ARMAS que estava portando tão logo visse o APF RICARDO com o restante do MATERIAL que pediu para pegar em sua residência; QUE ao sair na DELEGACIA com os APF´S ARMINDO e GUILHERME, para apanhar o veículo TROLLER (viatura ostensiva do DPF), o AUTUADO ouviu 02 (dois) tiros e pensou que estava sendo atacado; QUE ato continuo efetuou vários disparos em um veículo GOL que estava ao lado do TROLLER, e passou a atirar no APF ARMINDO; QUE procedeu tais disparos de forma “instintiva”, QUE o AUTUADO como e quando deu os tiros no APF GUILHERME, não sabendo explicar, portanto, como o citado POLICIAL veio a MORRER; QUE após ter efetuado os disparos antes mencionados o AUTUADO pegou a MOTO que estava em frente a DELEGACIA e fugiu em direção ao CONSULADO BRASILEIRO em LETÍCIA na COLÔMBIA; QUE esperava obter asilo e proteção no citado CONSULADO’, porém foi abordado na FRONTEIRA pela POLÍCIA NACIONAL DA COLÔMBIA e POLICIAIS MILITARES BRASILEIRO; QUE após ter sido desarmado foi entregue ao APF RICARDO; QUE teve sua integridade física e mental pelos POLICIAIS que efetuaram sua PRISÃO; QUE não queria matar os APF’S ARMINDO e GUILHERME e encontrava-se arrependido do que fez; QUE apenas queria voltar para o RIO DE JANEIRO ou APOSENTADO por INVALIDEZ (MENTAL) ou em TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO; QUE os U$ 1.962,0 (mil novecentos e sessenta e dois dólares) encontrados em sua residência quando os POLICIAIS foram pegar seus pertences foram adquiridos na CASA DE CÂMBIO local CMM, e são fruto de seu salário ao longo do tempo que está em TABATINGA/AM; QUE acompanhou espontaneamente na data de hoje (14/10/2002) a reconstituição do CRIME onde foram ASSASSINADOS o APF ARMINDO e o APF GUILHERME; QUE novamente ratifica que se encontra arrependido; QUE não toma remédio controlado para PROBLEMAS MENTAIS; QUE não é usuário e nem dependente de substância ENTORPECENTE; QUE na data de hoje efetivamente se negou a fornecer URINA e SANGUE para EXAME TOXICOLÓGICO de dependência química.”

No dia seguinte ao homicídio, conversando informalmente com o delegado Sérgio percebe-se a nítida perturbação do acusado. Novamente colo aqui como escrito no processo, sem mudar absolutamente nenhuma vírgula:

DPF Sérgio – Você não é obrigado a falar se não quiser. Se você quiser permanecer em silêncio, você pode. Agora, o mínimo que você pode fazer pelos colegas que você assassinou é prestar as informações que a gente está lhe perguntando. Lembre-se que um dia você foi Policial Federal, coisa que não vai acontecer mais. Nunca mais você vai ser um Policial Federal. Agora você vai responder por um crime que você cometeu. Você tirou a vida de um pai de família e de um jovem que ainda tinha uma vida inteira pela frente. Eu vou fazer algumas perguntas. Se você quiser responder você responde. Se você não quiser responder não é obrigado a responder. Você entendeu? Entendeu? Pode falar?

CLÁUDIO – Eu não tenho nada para falar.

DPF Sérgio – Mas de qualquer forma eu vou consignar as perguntas. Você sebe como funciona isso. Apesar de ser uma gente novinho, você já deve ter visto algum flagrante. Mesmo assim, vou consignar as perguntas. O que levou você ontem a agir do jeito que agiu? Não pretende responder?

CLÁUDIO – Se você me deixar... Eu não respondo não!

DPF Sérgio – Certo. Você atirou no APF Armindo e no APF Guilherme na madrugada de hoje, causando a morte de ambos?

CLÁUDIO – Atirei.

DPF Sérgio – Certo. Qual foi o motivo de você ter atirado nesse dois policiais?

CLÁUDIO – Tive. De ter tido um tiro. Desse tiro me causou um pânico. Então eu atirei no carro da polícia e no momento vi o Guilherme. Eu tava descontrolado. Eu vi o Guilherme pular no chão e eu tive que puxar a arma. Aí eu atirei nele. E minha mão foi bem dizer automática. Entendeu? Com Armindo. Foi um negócio assim automático porque o Armindo pulou no chão. E aí, eu falei, tá acontecendo alguma coisa. Eu escutei um tiro e foi aquele horror, rololó todo. Eu atirei, infelizmente.

DPF Sérgio – Você deu sete tiros no APF Armindo. Alguns pela frente e outros pelas costas. Você tem ciência disso? Que você deu tiros no APF Armindo pelas costas?

CLÁUDIO – Eu não tenho ciência porque não me lembro.

DPF Sérgio – Certo. Você se recorda....

CLÁUDIO – Eu não tenho ciência, mas eu lembro de ter dado pelo menos cinco. Sete não! Pelo menos cinco.

DPF Sérgio – Certo. Você se recorda...

CLÁUDIO – Porque a pistola ainda tinha duas munições.

DPF Sérgio – Você se recorda de ter atirado no APF Guilherme quando o mesmo se encontrava em baixo da viatura?

CLÁUDIO – Embaixo da viatura não. Eu lembro assim que ele tava tentando ir para viatura, aí eu atirei. Eu lembro que a bala pegou na viatura.

DPF Sérgio – Mas se arrastando no chão? Ele estava no chão quando você atirou nele?

CLÁUDIO – Ele... Ele tinha deitado no chão. Mas...

DPF Sérgio – Certo, você viu alguma arma com o APF Guilherme ou APF Armindo? Viu?

CLÁUDIO – Sinceramente, com o APF Guilherme eu pensei de estar vendo essa arma. Entendeu? Não sei se eu vi ou se eu não vi com o APF Guilherme. Com o APF Armindo eu não vi arma nenhuma.

DPF Sérgio – De onde partiu esse tiro que você alega que foi disparado e te assustou?

CLÁUDIO – Para mim, partiu de dentro do carro.

DPF Sérgio – O tiro partiu de dentro do carro?

CLÁDIO – Ou de fora, eu não sei. Alguma coisa. Teve um tiro.

DPF Sérgio – Mas de alguém próximo do local onde aconteceu?

CLÁUDIO – Não.

DPF Sérgio – Onde foi que aconteceu isso?

CLÁUDIO – Em frente à delegacia.

DPF Sérgio – Em frente à delegacia? Você estava levando o APF Armindo e o APF Guilherme pra onde?

CLÁUDIO – Levando eles pra minha casa pegar, para buscar...

DPF Sérgio – Pra buscar o que? Pra buscar o que , CLÁUDIO? As armas que você usou foram de quem? Suas?

CLÁUDIO – Uma é minha.

DPF Sérgio – E a outra?

CLÁUDIO – Era do Armindo.

DPF Sérgio – Eles tentaram, que dizer, então eles não reagiram? Você que pensou que eles tivessem reagido.

CLÁUDIO – Eu não sei, Doutor Sérgio. Sei que escutei um tiro.

DPF Sérgio – Você pretendia atirar neles quando saíam?

CLÁUDIO – Claro que não, pelo amor de Deus! Acredita em mim!

DPF Sérgio – Mas você estava com as armas engatilhadas, não estava?

CLÁUDIO – Estava pra minha segurança.

DPF Sérgio – Você não apontou essas armas para várias pessoas aqui na delegacia? Engatilhada?

CLÁUDIO – Apontei.

DPF Sérgio – O que você pretendia, CLÁUDIO?

CLÁUDIO – Eu queria me defender, doutor.

DPF Sérgio – Defender de quem? Quem lhe agrediu?

CLÁUDIO – O senhor quer que eu responda, o senhor quer que eu fique...

DPF Sérgio – Não, eu quero que você responda. Meu amigo, que coisa abominável você fez! O que você fez é abominável. Eu lido com bandidos há sete anos e nunca vi uma coisa tão abominável como essa de bandidos. Ainda mais de um colega.

CLÁUDIO – Meu estado mental...

DPF Sérgio – Mas o estado mental... Você chegou a procurar algum auxílio psicológico? Você foi a algum médico? Tem alguém que possa atestar pelo seu estado psicológico?

CLÁUDIO – Fui.

DPF Sérgio – Quem?

CLÁUDIO – O próprio médico que fez a minha operação.

DPF Sérgio – Mas ele era psicólogo?

CLÁUDIO – Não. Ele era urologista.

DPF Sérgio – Psiquiatra você nunca foi a nenhum? Algum médico de cabeça? Você chegou a se consultar pra dizer que estava com problemas mentais? Que problema é esse que...?

CLÁUDIO – Consegui.

DPF Sérgio – Ouviu? Quem era o médico?

CLÁUDIO – Ah, Foi no doutor Ernesto, na doutora Vanda.

DPF Sérgio – É verdade que você tenha dito às pessoas, quando as seqüestrou aqui, aos policiais, que pretendia se aposentar porque estava com problema mental?

CLÁUDIO – É verdade.

DPF Sérgio – E se você fosse somente removido, também servia pra você tratar o seu problema mental? Você disse isso?

CLÁUDIO – Serviria. Não, pra tratar o meu problema mental?

DPF Sérgio – Você disse isso?

CLÁUDIO – Não sei. Pelo menos eu melhoraria no Rio de Janeiro.

DPF Sérgio – No Rio de Janeiro. Quem efetivamente o estava ameaçando? Na sua cabeça, quem estava ameaçando você? Quais são os nomes dessas pessoas?

CLÁUDIO – Eu queria ficar vivo.

DPF Sérgio – Cláudio, você não pensou nisso quando tirou a vida dos dois colegas.

CLÁUDIO – Tá, eu quero responder isso na Justiça.

DPF Sérgio – Tudo bem. É direito seu, é direito seu. Ninguém vai obrigar você a falar o que você não quer falar.

CLÁUDIO – Me diga uma coisa: se eu falar só o essencial pra me condenar. Só isso que eu quero.

DPF Sérgio – Certo. Desde quando você acha que está tendo problemas mentais?

CLÁUDIO – Desde quando foi realizada uma operação em mim.

DPF Sérgio – Que tipo de operação?

CLÁUDIO – Uma circuncisão.

DPF Sérgio – Em que mês foi isso?

CLÁUDIO – Mês de janeiro.

DPF Sérgio – Janeiro desse ano? Você já era policial quando aconteceu isso?

CLÁUDIO – Era.

DPF Sérgio – Você foi dispensado para fazer essa... para ir ao Rio de Janeiro. Você fez no Rio de Janeiro essa operação? Foi?

CLÁUDIO – Foi.

DPF Sérgio – Foi, não é? Você foi dispensado. Quanto tempo você passou dispensado para tratar disso aí?

CLÁUDIO – Bem dizer um mês.

DPF Sérgio – Um mês? E depois você retornou?

CLÁUDIO – Foi.

DPF Sérgio – E quantos meses de Polícia você tem?

CLÁUDIO – Dez meses.

DPF Sérgio – Dez meses? Sendo que um você passou afastado. Você tem nove meses de Polícia. Alguma vez você sentiu essa vontade de sacar sua arma, atirar nos outros, se sentiu perseguido, sentiu a necessidade de se defender como ontem? Antes de ontem, você sentiu alguma necessidade igual a essa que sentiu ontem?

CLÁUDIO – Sim.

DPF Sérgio – Quando? Não se recorda? Não se recorda? Você tinha alguma coisa pessoal contra o Armindo ou contra o Guilherme?

CLÁUDIO – Não.

DPF Sérgio – Não tinha nada pessoal contra eles. Onde é que você pretendia chegar quando você fugiu pra Colômbia? Você queria ir pra onde?

CLÁUDIO – Consulado brasileiro.

DPF Sérgio – Você queria ir pro Consulado brasileiro? Porque que não foi? Foi abordado antes, não é? Mas no Consulado brasileiro você esperava o que de lá?

CLÁUDIO – Esperava ir pro Rio de Janeiro. Ser... extraditado pro Rio de Janeiro.

DPF Sérgio – Você tinha consciência que tinha atirado em dois colegas? Você tinha consciência que tinha matado os colegas ou que só tinha atirado?

CLÁUDIO – Não sei. Eu pensei... Eu pensava em várias coisas, Doutor Sérgio. Eu estava pensando lá na cadeia. Entendeu? Eu tava pensando em várias coisas. Eu pensei até... eu cheguei a pensar até em... não sei. As coisas que aconteceram foram fazendo eu pirar, pirar. Fui delirando, delirando. Não sei.

DPF Sérgio – você avisou pra alguém que ia pirar? Que ia perder o controle?

CLÁUDIO – Avisei.

DPF Sérgio – Quem?

CLÁUDIO – A várias pessoas no Rio de Janeiro. Várias pessoas.

DPF Sérgio – Mas aqui você avisou pro seu Chefe que ia perder o controle?

CLÁUDIO – O meu Chefe, ele...

DPF Sérgio – Não. Eu estou perguntando se você avisou a ele: “Olha, eu vou perder o controle se eu ficar aqui.”. Vou pirar. Você avisou a ele? Já que você sentia que...

CLÁUDIO – Eu tentei. Entendeu? Eu tentei justamente fazer isso. Entendeu? Eu tentei justamente fazer isso, fazer com que eu fosse embora pro Rio de Janeiro removido ou pegasse meu atestado psiquiátrico e fosse embora. Eu queria sair da Polícia, entendeu? Eu vou pagar, meu irmão! Eu perdi, eu perdi pra tu nessa história toda. Entendeu? Eu perdi. Tem gente aí por cima fazendo coisas, entendeu? Eu perdi.

DPF Sérgio – Perdeu o quê?

CLÁUDIO – Perdi. Não tem... o que eu queria na minha vida era processar, no caso, o médico. Entendeu? Eu vi que não dava. Que aconteceram coisas.

DPF Sérgio – Mas então me explica uma coisa, Agente Cláudio. Olha pra mim, Agente Cláudio! Você ainda é um Agente de Polícia Federa. Então, pelo menos, assuma sua responsabilidade como Agente de Polícia Federal enquanto você ainda é – espero que por muito pouco tempo. Você tem consciência que você é um Policial Federal? Que você matou outros policiais federais sem motivo nenhum? Está ciente disso?

CLÁUDIO – Sem motivo...

DPF Sérgio – Sem motivo nenhum. Teve algum motivo? A não ser você achar que houve, haveria uma reação?

CLÁUDIO – Sim. Eu...

DPF Sérgio – Em algum momento você pensou... Sim o quê?

CLÁUDIO – Não teve motivo nenhum.

DPF Sérgio – Em algum momento você pensou que poderia escapar depois de ter assassinado os colegas?

CLÁUDIO – Não, não pensei que poderia escapar.

CLÁUDIO – Você iria fazer o que na Colômbia? Se entregar?

CLÁUDIO – Ia me entregar ao Consulado.

DPF Sérgio – Mas você ainda estava com as duas armas quando foi interceptado. Não estava?

CLÁUDIO – Estava. Estava com as armas totalmente desmuniciadas.

DPF Sérgio – Certo. Você é da mesma turma do Guilherme, não é? Da Academia?

CLÁUDIO – Sou. Eu fiz uma merda desgraçada. Se vocês quiserem me matar vocês me matem, pelo amor de Deus!

DPF Sérgio – Cláudio, merda a gente faz quando a gente briga no bar, merda a gente faz quando não faz os procedimentos direito, o que você fez foi abominável e eu espero que você responda por isso. Pelo menos é o que nós vamos nos empenhar aqui e fazer é reunir o máximo de provas para que a Justiça possa julgar o seu caso com justiça. Mas eu vou logo te dizer: o mínimo que você pode fazer pelos colegas que você matou é abrir o jogo e assumir suas responsabilidades. Não faltou aviso pra você, pra ficar tranqüilo, nada... Todo mundo tentou te ajudar, tentou fazer você se acalmar. Na verdade esse seu desejo de...

CLÁUDIO – Não foi isso, Doutor Sérgio. Eu tentei com isso. Aconteceu aquilo lá por causa desse disparo, por causa de alguma coisa. Eu não sei. Não sei se tinha alguém dentro do carro. Como eu disparei sem querer. Houve o disparo, desse disparo eu perdi o controle. Na verdade eu não queria. O que eu queria, o que eu queria...

DPF Sérgio – Você atirou primeiro no Guilherme e depois no Armindo ou primeiro no Armindo e depois no Guilherme?

CLÁUDIO – Nem sei. Bem dizer. Eu atirei nos dois. Porque eu estava com uma arma em cada mão. Então eu vi o Guilherme puxar... sei lá fazer um movimento, aí eu atirei. Aí eu vi...

DPF Sérgio – Mas para atirar no Guilherme você tinha que... ser abaixado. Você abaixou ou não?

CLÁUDIO – Não sei. Foi atirando, tentando correr. Uma coisa assim... Eu não sei.

DPF Sérgio – Por que você não entregou logo a arma para o Chefe da Delegacia? Você achava que ele ia fazer alguma coisa contra você? Por que você não entregou a arma para os Militares do Exército? Hein, Cláudio?

CLÁUDIO – Eu vou falar sério o que aconteceu. Eu estava me sentindo ameaçado.

DPF Sérgio – Por quem? Mas em momento algum você pensou em se matar. Não é Cláudio?

CLÁUDIO – Não, eu não pensei em me matar.”

Eu quis falar sobre esse caso porque foi um fato importante que aconteceu. Vejam que essa doença policial não é de agora, já que esse ocorrido foi em 2002, ou seja, 20 anos atrás. E, como falei acima, semana passada veio a tona mais um caso de depressão e paranoia que culminou na morte de mais um colega. Até quando será assim? Quantos precisam morrer para que a polícia tome uma atitude?

Lembrando novamente que só estou escrevendo este caso aqui porque foi tornado público, podendo ser lido integralmente no site do TRF 1, conforme coloquei também acima no texto.

Para concluir, o ex-colega Cláudio foi absolvido das acusações por ser considerado inimputável no momento da ação. Não sou eu que estou dizendo. Na íntegra do processo é possível ler os laudos psiquiátricos e tudo que comprova o fato da inimputabilidade. Segue abaixo a sentença:

PENAL. PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RÉU INIMPUTÁVEL. EXAME MÉDICO LEGAL. ISENÇÃO DE PENA. CPP, ART. 411. CP, ART. 26. 1. Comprovado, mediante exame médico-legal, que o agente era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, é de, sumariamente, ser absolvido, nos termos do art. 411 do Código de Processo Penal. 2. O paranóico sofre de uma confiança exagerada e tem medo, constante, de ser agredido, teme ser humilhado, é um indivíduo incapacitado de conviver em sociedade, vive sempre em estado de desconfiança, em estado de alerta imaginando que a qualquer momento vai ser atacado. 3. Declarada a inimputabilidade, o agente não é condenado, é absolvido, ficando, no entanto, sujeito a medida de segurança (CP, arts. 96 e 97). 4. Recursos e remessa oficial não providos.

(TRF-1 - RCCR: 5933 AM 2002.32.00.005933-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 24/05/2005, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 15/07/2005 DJ p.18).

 

Ps.: Se leram até aqui, por favor, comentem. Podem perguntar o que quiserem.

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