Eu gosto de escrever sobre as curiosidades da Polícia Federal, sobre os bastidores, coisas que acontecem que a mídia normalmente não mostra. Hoje não vai ser diferente. Já falei aqui nos comentários desse blog, várias vezes, que a PF é muito mais polícia de escritório que polícia de rua. E apesar de ser na deflagração das operações um dos poucos momentos operacionais de rua, a história de hoje ocorreu pós a deflagração, dentro da superintendência.
Eu juntamente com minha equipe fomos fazer uma busca e apreensão na casa de um membro de uma famosa facção criminosa do Brasil. Essas investigações de facções são, para mim, muito mais interessantes que as investigações de drogas. Isso porque quando você desarticula a facção, certamente você dá um tombo muito maior nos criminosos do que quando apreende droga e prende mais uma mula. Ainda mais que hoje em dia que as investigações vão atrás de prender o dinheiro e os bens das facções, não somente as pessoas envolvidas. Isso sim faz diferença.
Após concluirmos a busca, voltarmos para a superintendência e fazer os relatórios pertinentes, a equipe ficou em sobreaviso até o fim da deflagração, pois outras equipes poderiam precisar de apoio. E nesse ínterim, eu tomando um café em um dos corredores, um escrivão me chamou: APF do Norte, preciso da tua ajuda aqui com esse preso.
Ele ia coletar umas informações com o preso, e precisava de mais um policial na sala, caso o preso quisesse tentar alguma "graça". Então fiquei de babá lá enquanto ele entrevistava e perguntava algumas coisas do meliante. Após essas primeiras informações (normalmente são perguntas sobre informações cadastrais - nome, endereço, profissão, etc.), o preso iria para uma outra sala, onde o delegado o esperava para fazer o interrogatório.
Esse meliante, nessa ocasião, já estava preso antes de ser preso novamente. Sim, isso acontece. O cara recebeu mais um mandado de prisão já estando na penitenciária. E aí ele é levado para ser ouvido por um delegado sobre essa nova situação que o levou a ser preso novamente (sei que é meio confuso, mas funciona assim mesmo). Era um jovem com aparência de uns 20 e poucos anos, branco e usando óculos. Passaria desapercebido como criminoso comum. Tinha aparência de jovem de classe média. Diferente da maioria dos pobretões que a PF prende nessas operações pelos interiores do nosso país (sim, isso é uma crítica). Mas até então eu não sabia quem ele era ou sua importância no mundo do crime.
Após sairmos da sala do escrivão, fui pelos corredores levando-o algemado para encontrar com o delegado. Porém me informaram a sala errada, e então eu fiquei procurando a sala, de um lado para outro, que nem um besta, com o preso, pela superintendência, perguntando de um e de outro onde o delegado fulano de tal estava. Isso durou uns 5 minutos até achar o lugar certo. Enquanto eu perambulava procurando a sala, eu fui conversando com o cara, pra saber o que ele fez. Eu perguntei: porque você foi preso. Ele respondeu: agora, ou na primeira vez? Eu: A primeira vez. Ele: Formação de quadrilha, tráfico de droga, e mais uns 2 crimes. Nessa hora eu já percebi que não era um preso comum. E antes que eu pudesse continuar matando minha curiosidade, encontrei o delegado que o interrogaria.
Ao entrar na sala, o delegado me pediu para ficar, já que ele não queria ficaria sozinho com o preso. Mesma situação do escrivão que eu relatei acima. Então fiquei ouvindo o depoimento e tentando entender porque aquele moleque tinha sido preso.
Ouvindo o que o delegado estava a perguntar, percebi que ele era um dos que mandavam na facção. Cargo alto. Preso importante. Ainda mais quando um membro do MPF que investiga facções criminosas (GAECO) entrou na sala e o chamou pelo nome. Para o promotor conhecer o cara pelo nome, esse faccionado deve ser muito importante - pensei. O preso não respondeu absolutamente nada que o delegado perguntou, usando do seu direito de permanecer em silêncio, gerando uma ligeira insatisfação do promotor federal que também acabou acompanhando a oitiva.
Após isso, me solicitaram que o levasse para a sela. Ao chegar na carceragem, vários membros da mesma facção já estavam presos, e fizeram uma festa quando ele chegou. Era bem hora do almoço. E o preso falou: rapaz, eu estava morrendo de fome. E a comida servida pela Federal é muito boa. Eu falei: Está com o cheiro bom. E ele: é boa, pode acreditar. Parecia quase um almoço em família. Eles riam e brincava. Como pode alguém preso ficar tão animado, eu me perguntava.
E fui me retirando pensando nessa alegria toda deles, quando um colega me abordou já do lado de fora da carceragem e perguntou com um tom de exclamação: Sabe quem é esse cara que você trouxe? Eu falei que não. E ele me disse: é o Presidente dessa facção aqui no estado. Um ser extremamente violento. Depois o cara do GAECO me confirmou isso também.
Eu fiquei pensando: Aquele moleque com cara de adolescente de classe média. Era até difícil de acreditar. Mas o cansaço me fez esquecer. Eu tinha acordado antes das 3h da manhã para a deflagração da operação. E então fui buscar mais um café e ver se ainda tinha algo para comer por lá.
ps.: Era só isso. Nem sei como concluir a história.
pps.: Pessoal, podem sugerir assuntos. Além disso, podem compartilhar a história no Facebook pelo link que tem aqui no blog.